Em tempos de desromantização da maternidade, um estudo liderado pelo departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP chamou atenção para a saúde mental das mulheres que passam pelo puerpério. No imaginário popular, a depressão pós-parto consiste na vontade de se afastar dos filhos, mas segundo o pesquisador Marco Aurélio Galetta, professor do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), não é bem assim.
“Essa situação de não querer o contato não é muito comum. O que existe é um quadro de depressão, tristeza. Falta de vontade e choro fácil. Distúrbios do sono e até mesmo confusão mental. É lógico – quando ele evolui e fica mais grave, essa mulher vai ter dificuldades de cuidar da criança”.
O professor explica que, em muitas situações, a mulher com o quadro de depressão pós-parto pode se sentir culpada por não conseguir cuidar da criança como gostaria. A culpa, aliás, é uma das principais características do distúrbio.
A pesquisa levou em consideração as respostas de 184 mulheres atendidas no Hospital das Clínicas. Por meio de um questionário foi possível notar que 38,8% delas tiveram depressão pós-parto – quase o dobro do que a média nacional segundo a literatura médica, que é de 20%; 14% delas já apresentavam ideações suicidas. Ansiedade, solidão e o medo da pandemia são os principais fatores.
Eduarda Câmara, de 23 anos, teve sua segunda filha em junho de 2020, ainda nos primeiros meses da pandemia. Ela, que já era mãe de uma menina, passou por um período conhecido como baby blues, um sentimento de tristeza que pode aparecer logo nos primeiros dias após o parto, muito comum. O problema maior, no entanto, veio meses mais tarde, na gestação do Augusto, seu terceiro filho.
O parto prematuro, a falta do marido ao lado no momento do nascimento da criança e a violência obstétrica se tornaram gatilhos para o que aconteceria nos meses posteriores. Mesmo vacinada, em casa, nos meses mais agudos da pandemia, ela enfrentou a solidão do isolamento, a sobrecarga das tarefas e o medo de pedir ajuda e colocar a vida dos filhos, da mãe, da sogra e a sua própria em risco em razão da covid-19.
“Tinha medo. Tinha medo de contratar alguém para me ajudar, minha sogra saía todos os dias, minha mãe voltou a dar aulas. Eu ficava sozinha”, lembra. “Passei a fazer só o básico: dava banho, cuidava da comida, trocava de roupa, e não tinha vontade de fazer mais nada” – a falta de ânimo é apontada pelo professor como um dos principais sintomas da depressão pós-parto.
Eduarda passou a ter crises de ansiedade que evoluíram para crises de pânico. “Faço terapia desde o nascimento da minha primeira filha, e conversei com a minha terapeuta. Uma vez, lembro de ter dito que estava ‘cansada de viver’. Ela me perguntou por que eu vivia, e eu respondi que pelos meus filhos. ‘E se não fosse os seus filhos?’, ela questionou. E eu respondi que não teria outras razões”.
Com a ajuda da profissional, o apoio do marido e da mãe, ela percebeu que precisava de tratamento. Por apresentar algumas alergias a medicamentos, preferiu tentar um tratamento alternativo.
“Já testei alguns medicamentos quando tive convulsões. Fizemos uma lista do que eu poderia tomar amamentando, e só sobraram os remédios que não me faziam bem. Entre fazer outras coisas e deixar de amamentar – oque eu gosto, preferi essas opções. Não usar medicação, porém, torna o processo mais demorado”, relata.
Desde que foi diagnosticada, ela voltou aos exercícios físicos, contratou uma pessoa para auxiliar nas tarefas de casa e fazer companhia, voltou para as aulas de canto, começou uma alimentação mais regrada e começou a fazer microfisioterapia. “Busquei o que fazia parte do meu eu antes de ser mãe. Coisas que eu gostava de fazer antes de ter as crianças”, diz.
Há, no entanto, medicações que não alteram a rotida das mães que desejam continuar amamentando os filhos, segundo o professor.
“Existem medicações que podem ser utilizadas com segurança, grande parte dos antidepressivos. Em alguns casos, quando o sofrimento é muito grande, é preciso pensar no tratamento medicamentoso”, conta.
Entre “dias bons” e dias em que “qualquer coisa derruba”, Eduarda aconselha que outras mães que estejam passando por esse mesmo problema falem a respeito e se sintam acolhidas. Para ela, o contato com um grupo de mães criado pela doula também foi fundamental.
“Eu, que sempre sonhei em ser mãe, tive depressão pós-parto. Eu que casei pensando em ter filhos, tive uma grande rede de apoio, passo por isso. Então é importante falar sobre isso para que essas mães saibam que elas não estão sozinhas.”
Para quem ainda não foi diagnosticada, o pesquisador e professor Galetta ensina: “A mulher as vezes está cansada. Com privação de sono. Isso vai virando uma bola de neve. Peça ajuda para quem está a sua volta. As mulheres não devem ficar com medo de relatarem seus sintomas. Ninguém vai achar que estão exagerando. É apenas com a expressão dos sentimentos que os outros podem ajudar”, afirma.
“É preciso também dividir com o seu médico. O profissional pode fazer esse questionário, de ir mais ativamente perguntar o que ela precisa. Mas se ele perguntar, responda sinceramente. A depressão é uma doença. Não uma fraqueza moral. Tem tratamento, e se a gente não faz o diagnóstico, será um sofrimento para a mãe e outro para a criança.”
Notícias ruins
O professor alerta também que, durante a pandemia, o consumo de notícias ruins aumento a ansiedade das mães – o que culminou também nos altos índices de depressão.
“Pacientes que tiveram ideações suicidas consumiram 4,5 horas de informação diária sobre a pandemia, enquanto as que não tiveram, passaram 2 horas. Isso leva a ansiedade – e quando a informação vem deturpada, piora, como o que vem pelo Whatsapp. Isso também mostra a importância também de se buscar notícias na fonte correta.”