Desde o momento em que a Operação Tempus Veritatis foi deflagrada pela Polícia Federal (PF) no último dia 8, apoiadores e oposicionistas de Jair Bolsonaro (PL) debatem sobre a possível prisão do ex-chefe do Poder Executivo. Especialistas ouvidos pelo Estadão disseram que, hoje, dificilmente o ex-presidente será detido, o que deve ocorrer apenas com a ação transitada em julgado, ou seja, quando não couberem recursos para defesa apresentar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, os juristas cobram maior robustez nas provas contra Bolsonaro para evitar deslizes em acusações, como em operações anteriores envolvendo políticos.
Bolsonaro e diversos aliados são investigados em inquérito que apura possível ato preparatório para um golpe de Estado no País, o que impediria o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de tomar posse. O principal elemento tornado público pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, é uma reunião entre o ex-presidente e ministros de Estado. Na ocasião, 5 de julho de 2022, há três meses da eleição presidencial, o então presidente Bolsonaro cobrou de seus auxiliares críticas contra as urnas eletrônicas, por exemplo. “A gente tem que ser mais contundente”, afirmou.
Depois da reunião, ao menos seis pontos ditos por Bolsonaro e seus ministros foram concretizados. Uma das ações do ex-presidente foi se reunir com embaixadores para desabonar o sistema eleitoral eletrônico do Brasil. “Vou fazer uma reunião quinta-feira com embaixadores e semana que vem com mais. Vou convidar autoridades do judiciário para outra reunião para mostrar o que está acontecendo. [...] A guerra de papel e caneta, a gente não vai ganhar essa guerra. A gente tem que ser mais contundente, como eu vou começar a ser com os embaixadores”, disse Bolsonaro na ocasião.
O inquérito em que se apura tentativa de golpe segue três artigos do Código Penal, por enquanto: abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L), golpe de Estado (art. 359-M) e associação criminosa (art. 288). As penas vão de 9 a 23 anos no regime inicial de cumprimento fechado.
Uma prisão preventiva contra o ex-presidente é considerada difícil. “Só pode ser preso se começar a destruir provas, combinar testemunhas, continuar a cometer crime ou tentar fugir. Ainda está na fase de inquérito. Nem a fase de ação penal começou. Então, não sabemos se vai aumentar o número de crimes, se vai diminuir”, afirmou Antônio Carlos de Freitas Junior, mestre em direito pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista direito público e eleitoral.
Freitas Junior ainda alerta para a manifestação do dia 25 de fevereiro, que deve ocorrer na Avenida Paulista, depois de ser convocada por Bolsonaro. O especialista diz que o ex-presidente não pode se manifestar contra o STF, por exemplo. “Se ele disser ‘estou contra o Supremo’, é continuidade delitiva, ou seja, cabe prisão”, disse.
Mesmo quanto à possível condenação, há ponderações. Acácio Miranda, doutor em democracia e direitos humanos pela Universidade de Coimbra (Portugal) e doutor em direito constitucional pelo IDP/DF, diz ser necessário mais provas para isso.
“O Supremo já tem o mínimo de autoria e materialidade que implicam pessoas próximas a Bolsonaro. Significa que a estratégia, me parece, é manter essas pessoas para que façam delação premiada. A partir dos elementos colhidos, eles terão substratos suficientes, acredito eu, para que ele seja condenado. É o cenário que se tem neste momento. Hoje tem elementos? Não, são muito rasos e condenação como essa seria discutível. Mas, a partir de eventuais delações e provas colhidas em mandados de busca e apreensão há, sim, tendência bastante grande de que (Bolsonaro) seja condenado e preso”, afirma.
Ordens de Bolsonaro foram atendidas, avalia professor da UERJ
Para o advogado criminalista Davi Tangerino, professor de direito penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a questão envolvendo tentativa de golpe não ficou apenas na reunião em julho de 2022.
“O que temos na reunião? Temos um ajuste para evitar posse do Lula, como ‘virar a mesa’, ‘tem que ser feito antes das eleições’. Tem falas do Bolsonaro sobre todos os ministros se envolverem na pauta. Essa reunião é crime? Não. Se o vídeo fosse descoberto no dia seguinte, nós ainda não poderíamos dizer se aquela reunião já seria punível. Só que descobrimos esse vídeo sete meses depois. Então, olhando pelo retrovisor, a ordem foi atendida. Cada um, ou muitos deles, nas suas áreas, tomou providências. Secom com Fake News, Relações Exteriores com reunião com diplomatas, minuta de golpe, Abin infiltrando gente em campanha de adversário, etc, etc. Então, os atos subsequentes mostram que houve engajamento para melar as eleições”, diz Tangerino.
Na visão do professor, uma denúncia deve ser feita com detalhes por se tratar de envolvimento de ex-presidente da República. Isso porque, duas outras investigações - contra Lula e Michel Temer (MDB), que acabaram presos - não prosperaram. “A prova possivelmente precisa ser robustecida. Ainda é, para fim de condenação, indiciaria. Das duas, uma: o Ministério Público Federal (MPF) pode esperar um pouco diante dos desdobramentos já em curso, mas é possível que diante das buscas e apreensões surjam outros elementos”, avalia Tangerino, que é doutor em direito penal pela USP.
Operação de 8 de fevereiro é ‘pesca probatória’, diz professor de direito constitucional
Fábio Tavares Sobreira, mestrando em gestão e políticas públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) não vê futuro na operação realizada pela PF por ter sido baseada na delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. Para Sobreira, o próprio MPF classificou a delação como fraca. Ele também não confia na prisão preventiva contra Bolsonaro, o que seria, em sua visão, desrespeito à legislação brasileira.
“A operação de 8 de fevereiro é uma pesca probatória, que visa realizar investigações especulativas e indiscriminadas. Toda e qualquer busca e apreensão não pode ser aleatória. Tem que ter o objeto certo e determinado. Isso não aconteceu. O único objetivo é literalmente pescar prova para subsidiar futura acusação. Somente dois sistemas usaram isso: nazismo e comunismo, sistemas arbitrários, que exterminaram milhares de pessoas, se utilizavam exatamente da pesca probatória. No nazismo e no comunismo, a partir do momento que o sistema identificava alguém como inimigo do Estado, eles eram destruídos sem observar a Constituição e de seus países”, disse Sobreira.
FONTE: ESTADÃO