O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Flávio Dino, assume nesta quinta-feira, 22, uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele foi nomeado pelo presidente para o cargo em novembro de 2023 e ocupará a vaga aberta com a aposentadoria de Rosa Weber.
Em dezembro, a indicação dele foi avalizada pelo Senado Federal por placares apertados: na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), foi aprovado por 17 votos a 10; no plenário, por 47 a favor e 31, contra. Foi o pior desempenho de um indicado para o Supremo desde André Mendonça, escolhido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Dino foi juiz de 1994 a 2006. Deixou a magistratura para assumir o cargo de deputado federal (2007/2011). Ganhou ainda uma eleição para o Senado no Maranhão em 2022. Não será o primeiro integrante da mais alta Corte do País com uma carreira política pregressa. A novidade fica por conta do cargo eletivo no Executivo: ele foi governador maranhense por dois mandatos, de 2015 a 2022.
Por causa desse histórico, Dino já se posicionou em pautas políticas, sociais e jurídicas. Relembre o que o novo ministro do Supremo já falou sobre pautas sociais e qual é a opinião de Dino sobre os papéis que competem ao STF.
Descriminalização do aborto
Flávio Dino é contra a descriminalização do aborto. “Eu sou filosoficamente, doutrinariamente, contra o aborto, e acho que a legislação brasileira não deve ser mexida nesse aspecto”, disse o então governador do Maranhão em entrevista ao jornal Valor Econômico, em abril de 2022. O STF está decidindo sobre o tema por meio da ADPF 442, da qual Rosa Weber, antecessora da cadeira que Dino irá ocupar, foi a relatora.
A ADPF foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2017 e, se julgada procedente, irá descriminalizar o aborto voluntário até o terceiro mês de gestação. Weber se adiantou à aposentadoria e, pouco antes de deixar a Corte, registrou seu parecer e seu voto favorável na ação. Dino, que herdaria o processo de Weber, não poderá mudar o voto da ex-ministra. De qualquer forma, o acervo de Rosa Weber, ou seja, todos os processos relatados por ela no STF, serão herdados por Flávio Dino, incluindo investigações contra Jair Bolsonaro e Juscelino Filho.
Por mais que não possa votar na ADPF 442, Dino é contra a ação por dois aspectos: por descriminalizar o aborto, do qual é contrário, e por decidir o tema em âmbito judicial, retirando do Congresso Nacional a prerrogativa de legislar sobre o assunto. É o que ele reformou na sabatina da CCJ. “Eu não imagino realmente que é o caso de uma decisão judicial sobre, e sim de um debate no Parlamento”, disse Dino sobre a permissão ou proibição ao aborto.
Descriminalização das drogas
Em entrevista à BBC Brasil em novembro de 2022, Flávio Dino firmou um posicionamento de cautela em relação à descriminalização. Para o ex-ministro da Justiça, os magistrados devem considerar que a sociedade brasileira é contra leis mais progressistas nesse âmbito.
“Eu sou contra as drogas como princípio”, disse o agora ministro do STF. “Acho que, nesse momento, nem o Supremo conseguiu formar maioria para levar o julgamento adiante. A maioria da sociedade brasileira é contra a chamada descriminalização. Nós temos que levar isso em conta. Você não faz política pública contra a sociedade. Nós não temos hoje condições sociais e institucionais para descriminalizar drogas”, completou Dino.
Comunismo
“Sou comunista, graças a Deus”, disse Flávio Dino ao programa TimeLine Gaúcha, em janeiro de 2015. Em entrevistas posteriores, o então governador voltou a afirmar sua predileção pela ideologia. Em abril daquele ano, em entrevista ao programa Espaço Público, da TV Brasil, Dino foi questionado sobre seus ideais comunistas. Em resposta, declarou que, enquanto “socialista, comunista e marxista”, fazia “o que (Vladimir) Lenin recomendava”.
Flávio Dino passou 15 anos no Partido Comunista do Brasil (PC do B) e, desde 2021, está no Partido Socialista Brasileiro (PSB). Lula já elogiou publicamente a inclinação política do seu indicado. “Pela primeira vez na história, nós conseguimos colocar, na Suprema Corte deste País, um ministro comunista, o companheiro da qualidade do Flávio Dino”, disse Lula no dia seguinte à aprovação de Dino para a vaga no STF.
Em janeiro, durante cerimônia de anúncio do nome de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça, o presidente disse que “sempre sonhou” com um ministro com “cabeça política” na mais alta Corte do País.
Prisão após condenação em segunda instância
Dino é contra a prisão após a condenação em segunda instância. Seu posicionamento mais enfático sobre o tema ocorreu em defesa de Lula, seu padrinho político, preso em 2018 por uma condenação na Justiça Federal. A pena do então juiz Sérgio Moro não só foi confirmada como foi ampliada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, a segunda instância de recursos para casos julgados na Justiça Federal de Curitiba (PR).
O cumprimento de pena privativa antes de esgotados todos os recursos possíveis – o “trânsito em julgado”, no jargão jurídico – nunca foi consenso entre juristas. Até fevereiro de 2009, o STF entendia que, sim, réus poderiam começar a cumprir a pena antes que o recurso na terceira instância – ou seja, nos tribunais superiores – começasse a ser julgado. Em 2009, a praxe foi invertida: o Supremo mudou de doutrina e réus não poderiam mais cumprir pena privativa antes do trânsito em julgado. Mas, a Corte voltou atrás em 2016 e, mais uma vez, ficou estabelecido como regra pena sendo executada após duas instâncias. O placar foi apertado e, em 2018, algumas ações tramitando no STF pretendiam reverter o entendimento do tema mais uma vez.
Foi nesse contexto que Flávio Dino declarou que Lula estava sendo preso por “ansiedade ou parcialidade”. “Prisão antes mesmo de esgotados recursos em 2ª instância e antes de finalizado o debate constitucional no Supremo só se explica por ansiedade ou parcialidade. Ou os 2 erros simultaneamente”, disse o então governador no X (antigo Twitter).
Mandato para ministros do STF
Enquanto deputado federal, Dino foi autor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que definiria mandatos de 11 anos para os juízes do STF. A proposta acabou não indo adiante, mas o ex-governador declarou, em entrevistas recentes, que mantém sua posição. “Defendi e defendo até hoje”, disse Flávio Dino ao ser questionado sobre o tema pelo Estúdio I, da GloboNews, em outubro de 2023.
Um detalhe que o ex-ministro da Justiça não voltou a comentar é que a PEC do qual ele é autor propunha, além de mandato para ministros, uma quarentena de cargos públicos após a aposentadoria dos juízes. Se a matéria tivesse sido aprovada, o magistrado que deixasse o STF teria que passar três anos sem assumir “cargos em comissão ou de mandatos eletivos em quaisquer dos Poderes e entes da federação”. É exatamente o que ocorre com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que deixou a Corte no ano passado e, hoje, já é titular do Ministério da Segurança e Segurança Pública do governo Lula.
A PEC proposta por Dino dificilmente será retomada na pauta do Congresso, sobretudo porque foi proposta na Câmara e Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, é reticente sobre o tema. No entanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é entusiasta de mandatos no Supremo e já afirmou que deseja discutir o assunto ainda no primeiro semestre deste ano.
Decisões monocráticas
Para Flávio Dino, o “desfazimento” de uma lei, “salvo situações excepcionalíssimas, não pode se dar por decisões monocráticas”. Assim disse o então indicado durante a sabatina na CCJ, ao ser questionado sobre a harmonia entre os Três Poderes da federação. Por “desfazimento”, Dino referia-se à declaração de inconstitucionalidade, uma das prerrogativas do STF, ao qual compete o julgamento de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs).
O posicionamento de Flávio Dino vem ao encontro da PEC 8/2021, aprovada pelo Senado em dezembro de 2023, poucos dias antes da sabatina. O texto ainda precisa ser aprovado pela Câmara antes de entrar em vigor e define que normas aprovadas pelo Poder Legislativo não podem ser suspensas por atos monocráticos do Supremo. A PEC se estende a leis analisadas por tribunais estaduais.
Ainda na sabatina, além de pregar autonomia do Legislativo, Dino afirmou que é contra intromissões do Judiciário em atos administrativos, prerrogativa do poder Executivo. “Apenas excepcionalmente o poder Judiciário deve invalidá-los”, disse o então indicado.
FONTE: ESTADÃO