SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Alvos de hostilidades crescentes, os imigrantes brasileiros dividem opiniões em Portugal. Mas fato é que, do ponto de vista econômico, os mais de 400 mil que saíram do Brasil para viver em terras portuguesas estão se mostrando essenciais para as finanças do país.

Com uma das populações mais velhas do mundo, Portugal tem dificuldades em bancar a aposentadoria de seus cidadãos. Recentemente, porém, o país comemorou a queda de sua dívida pública para menos que 100% do PIB (Produto Interno Bruto) pela primeira vez desde 2009.

Desde o pico do indicador em 2016, de 131,5% do PIB, o país reduziu o endividamento em cerca de 33 pontos percentuais, para 98,7% em 2023. E, no ano passado, o PIB português cresceu 2,3%, bem acima do crescimento de 0,5% da zona do Euro, segundo estimativas iniciais.

"O nosso país, neste momento, deve à comunidade migrante as bases do crescimento econômico e da própria sustentabilidade financeira no nosso modelo social", diz Fernando Medina, ministro das Finanças de Portugal, em entrevista à reportagem.

Membro do Partido Socialista, o economista repudia ataques xenofóbicos que brasileiros sofrem no país europeu.

Recentemente, tomou notoriedade o caso da brasileira hostilizada no no aeroporto de Porto. Um vídeo feito pela vítima mostra uma mulher, que se identifica como "portuguesa de raça", chamando-a de "porca" e dizendo para ela ir "para sua terra".

Outro episódio notório foi o de uma estudante brasileira, que diz ter sido vítima de socos no rosto e na barriga dentro das instalações da Universidade do Minho, em Braga, norte de Portugal, por um aluno, que também teria feito comentários xenofóbicos e insinuado que a mulher pagava o curso se prostituindo.

Medina repudia o preconceito contra os imigrantes e diz que eles são "muitíssimo bem-vindos", com uma contribuição líquida para a previdência social do país.

"São pessoas que estão em idade ativa e que trazem também os seus filhos, que estudam e depois entrarão na idade ativa. São pessoas que irão contribuir por muitos anos a para o sistema social e, ao contrário do que as forças de extrema-direita dizem, não estão sequer em idade de se beneficiar", diz o ministro.

Segundo ele, em 2022, o saldo líquido da contribuição de imigrantes apenas para o sistema social de Portugal, sem contar impostos, foi de 1,6 bilhões de euros (R$ 8,5 bilhões).

"Portugal hoje enfrenta um ciclo em que a nossa economia necessita de uma quantidade crescente de trabalhadores e tem sido essa alta de trabalhadores, muitos vindos, aliás, do Brasil, que tem assegurado essas necessidades das empresas, as contribuições sociais, as próprias receitas fiscais do Estado, a sustentabilidade da segurança social e isso, para nós, tem sido de grande importância", diz Medina.

Impostos

Assim como o Brasil, a União Europeia estuda maneiras de elevar a arrecadação. Algumas estão perto de se tornar realidade, como os pilares um e dois da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que estabelecem um imposto mínimo global de 15% para empresas com faturamento acima de 750 milhões de euros e uma contribuição no país de atuação da companhia, para além do país sede.

O acordo extrapola a OCDE e foi subscrito originalmente por 136 jurisdições, o que engloba quase todos os países do mundo.

"É a primeira vez que se faz um acordo desta natureza, com este alcance, o que fará com que muitas empresas que hoje não pagam impostos, porque se colocam em jurisdições que essa tributação não existe, passem a pagar", diz Medina.

Segundo ele, a implementação da nova tributação está avançada na União Europeia, com a previsão de que entre em vigor na maioria dos países em 2025.

"Vamos ter um sistema muito mais eficaz para tributar, em pé de igualdade, de modo a evitar fugas de tributação, incluindo também os super-ricos, porque uma parte deles usam as suas empresas para fugir de parte da tributação", afirma o político.

Ele diz apoiar a proposta do Brasil de constituir um terceiro pilar dedicado à taxação de bilionários, mas que é preciso primeiro implementar as duas medidas já aprovadas.

"O Brasil abriu uma estrada que agora tem que ir sendo trilhada. Ela será longa, não é de hoje para amanhã, mas, havendo vontade política, nós conseguiremos."

RAIO-X

Fernando Medina, 50

Economista e ministro das Finanças de Portugal desde 2022, indicado pelo primeiro-ministro António Costa, é membro do Partido Socialista. Foi presidente da Câmara Municipal de Lisboa (2015-2021) e presidente da Área Metropolitana de Lisboa (2017-2021).

Também foi deputado (2011-2013) e Secretário de Indústria e Desenvolvimento do Ministério da Economia (2009-2011) e Secretário do Emprego e Formação Profissional no Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (2005-2009).

Antes, atuou como assessor de Educação e de Assuntos Econômicos do primeiro-ministro António Guterres, atual secretário-geral da ONU.


FONTE: FOLHA DE S.PAULO